terça-feira, 20 de agosto de 2013

para guardar na memória

Daqui a pouco faz um ano que me mudei enfim dessa cidade que nasci, São Paulo.
Hoje em dia quando me perguntam "de onde eu sou" e respondo São Paulo, sinto um certo desconforto em dizer. Piração da minha cabeça, lógico. Fico pensando em que a pessoa pensa a partir da minha resposta.

Eu desejo, do fundo da minha alma, pensar menos no que as pessoas pensam. Não sei de onde veio isso em mim, me colocar sempre num terceiro lugar onde observo o que falo e o que a pessoa fala, analisando tanto esse fenômeno "conversar", como se eu também fosse espectadora de mim mesma.
Quero pensar menos me vendo de fora, e quero ser mais o meu dentro, naturalmente, sem tantas analises.

Bom, mas o fato é que essa semana tive uma sensação mais forte de que enfim, cheguei.
Deve ser decorrente da mudança para a casa nova, um apartamento vazio, onde tudo está começando do zero. Não tem moveis, as minha coisas, roupas, comidas, livros, louças, plantas, estão todas espalhadas pelo chão. Minha mesa é uma caixa de papelão, minha cama um sleeping e as roupas são lavadas na mão.
E sinto que não preciso de muitas coisas.
Ontem sai para fazer compras de mercado e algumas coisas de casa de material de construção. Passei também num mercadinho para trocar uma peça que comprei que serve para fechar cano de água, e que não serviu. Quando comprei fiquei um tempão conversando com o dono do mercado, um chileno sério de uns 50 anos, sobre qual a peça que eu precisava para fechar o cano da cozinha. Quando voltei, ele não estava e sim sua esposa que iniciou a conversa de forma ríspida porque não queria trocar a peça apesar do marido ter combinado comigo que se não servisse eu poderia trocar. Mas não sei o que fez a dureza de pedra daquela mulher se dissolver em tão poucos minutos, que logo depois estava conversando comigo sobre peças que normalmente só homens conversam e entendem, me mostrando canos da casa dela (aqui é ainda bem comum as pessoas morarem em cima ou ao lado ou ao fundo da sua loja) e ficamos analisando juntas, sem muito conhecimento do assunto, qual era a peça que eu precisava. Terminou com ela fazendo questão de me devolver o dinheiro da peça errada, três reais e sessenta centavos, e curiosa para saber qual era a peça certa. Me falou para depois contar para ela qual era a peça quando eu descobrisse...!?
Depois disso eu ainda precisava achar a tal peça, comprar sabão para lavar louça, roupa e algumas comidas. E quando cheguei na próxima loja percebi que tinha esquecido minha carteira em casa. Fiquei com raiva de mim mesma, mas depois lembrei que tinha três reais e sessenta centavos devolvidos e resolvi ser criativa. Voltei para casa com a peça que precisava, um abridor de vinho, um sabão de coco e um miojo.
Jantei miojo feito no microondas... Não foi tão ruim.

E hoje, sai de bicicleta logo cedo, passeio na beira mar, dia lindo, montanhas, mar brilhante com reflexos do sol à caminho da Integrale para tomar café da manhã e também procurar um fogão e maquina de lavar usados para comprar.
Delícia, encontrei uma linda amiga de Ubatuba, foi super gostoso tomar café da manhã com ela e ainda peguei dicas de lugares de coisas usadas para procurar as coisas mais urgentes para minha casa: fogão, maquina de lavar roupas e uma mesa.
Faz algumas semanas que ando inquieta, bem mais do que costumo ser, com a desnecessidade de coisas novas. A obsolência programada, consumismo, geração de lixo.
Não dá mais para fingir que o problema não existe. O descarte de lixo é uma ilusão da sociedade. Voltei a sofrer com cada saquinho plástico de embalagem de algo que consumo. Vontade de não tirar mais o lixo de casa para ter claro que sou responsável por cada uma das coisas que consumo. Saber o tamanho do meu lixo, ter noção do espaço que ocupo, que degrado, que impacto.
Preciso urgente de um minhocário, e mudar minha alimentação de forma que o que eu consuma tenha menos embalagens...

Nossa, como enrolo para falar as coisas que quero, só agora cheguei no assunto do meu relato!

Tem um bairro em Ubatuba que chama Estufa. Lá a população é bem mais pobre e se vê uma Ubatuba mais escondida e também mais real.

Nesse bairro tem muitos ferros velhos, oficinas de conserto de bicicletas, pranchas de surf, moveis e eletrodomésticos.
Quando eu olhava uns fogões na calçada, um homem, quase senhor, jeito de pescador, que passava a toa de bicicleta me perguntou o que eu estava procurando e que se era fogão tinha um "brechó" com fogões melhores. Subi na bici e fomos em direção ao lugar. No meio do caminho ele me perguntou se eu queria comprar um fogão dele, que vendia por cem reais.
Fiquei na dúvida, e ele me convenceu a ir olhar o fogão que ele tinha na casa dele.
Pedalamos uns quinze minutos para chegar na casa dele. Fomos conversando o caminho todo sobre Ubatuba, eletrodomésticos, alugueis, fogões... Em um momento percebi que podia estar sendo inocente, o que eu estava fazendo, indo para a casa de um cara que nem conheço que não sei o que pode fazer comigo..?! Segundos depois que pensei nisso ele me perguntou se eu era casada e mais que depressa respondi que era noiva! Ficou aquele dilema dentro de mim, o homem era tão simples, tão legal, mas será...que...
Resolvi dar um crédito a minha intuição de que não tinha problema, que ele só queria mesmo me mostrar o fogão dele. E fiquei tranquila ao chegar na vila que morava, várias pessoas e vizinhos na rua cumprimentando...ok, sem problemas.
Ele já tinha me dito que o fogão dele era bem antigo, mas muito bom! Desses que não se fazem mais hoje em dia e duram a vida toda. Ele disse e eu concordei, coisas antigas duram mais...

O fogão dele. É o fogão mais bonito que já ví na minha vida! Engraçado achar um fogão, coisa bonita. Mas era, lindo mesmo! Antigo, desses esmaltados, em estado impecável, branco e azul. Adoro coisas brancas e azuis!
Fiquei impressionada quando ví, acho que ele percebeu, e já imaginei que lindo ele ficaria na minha cozinha nova.
Ficamos uns dois minutos olhando e conversando sobre o fogão e eu comecei a pensar que ele não deveria se desfazer de um fogão daquele...
E ele falava com orgulho e no fim também com carinho sobre o fogão, porque o fogão faz parte do dia a dia de forma funcional e pouco perceptível, é só uma "coisa", geralmente nada bonita, mas que no fim é importante sim, compõe aquela coisa aconchegante de cozinha e toda sua alquimia.
Aí que falei: Gostei muito do fogão, mas você não vai se arrepender de me vender?
Ele respondeu: Sim! - amoleceu e riu de leve.
E eu, fiquei emocionada...

Gente! Como um fato desse pode ser emocionante? Que carência é essa que vivemos como seres humanos?

E por outro lado, que espécie de negociante eu sou? Onde está meu sangue árabe?

Eu sabia que eu podia fechar o negócio na hora, não deixar mais ele pensar, pagar e levar o fogão lindo.
Mas propus de voltar daqui três dias, deixar ele pensar e decidir se queria mesmo me vender o fogão. Ele gostou da proposta, acho que se impressionou também com essa coisa que aconteceu e a dúvida que ele teve e que eu percebi e respeitei, sobre algo tão aparentemente simples, quase bobo.

Voltei para casa pela beira mar pensando mais um pouco em que espécie de ser humano sou, por essa e tantas outras coisas que compõe caraminholas da minha cabeça.

4 comentários:

Ventos Internos disse...

Você é uma linda ser hermana!!!

Ventos Internos disse...

E espero que vc fique com o fogao! :) hihihi

Sustenido disse...

Hihi, adorei ser hermana, vc também é uma linda ser hermana! Ai, que saudade! Te amo

Mayumi disse...

chorei!

you blow my mind.

te amo!